Espaço literário: Daniel Abrão
- universidadepopula6
- 16 de dez. de 2024
- 2 min de leitura
Falso perdão
Por Daniel Abrão*
Senhores,
tanto mundo e eu
à venda
pelo preço da fealdade absoluta de vossas fomes,
segurando minhas mortes através de decretos,
solicitações
de falso amor, inescrupuloso afeto
e pertença
às lutas da cidade perdida.
Eu
peço perdão
pelo desafio deposto
e embora os atos
perturbem os olhos de sal contra mim
peço perdão
por ser transparente a qualquer culpa
peço perdão pelas desculpas e pelo ato
que me desatou para o néctar de cinemas
onde vi
geoarquiteturas calcinadas, pulsar
de colunas e descompressão.
Alinho-me para dentro
no centro
do colo perdido e exaurido da noite contramericana.
Ninguém esteve presente para desferir o golpe
Quando o tempo se abriu em rizomas
e à vegetação tropical.
Não há qualquer testemunha da cena.
Não fui previsto pelos manifestos.
As informações não foram repassadas.
Não pude fixar-me aos eixos ascendentes da glória.
Soube que o mundo não começa com a morte
) este segredo de cabelos longos (
A provisão terrena floresce
mesmo na ausência da cúpula e da missa.
Pude saber que poucos vermelhos olhos irradiam o íngreme desta manhã.
Senhores,
Peço perdão pela arte abstrata,
por Fellini, pela poesia, pela pronúncia rarefeita
com que absorvi e me integrei aos frutos e
pela gravidade assimétrica que sustenta sem oxigênio
os aminoácidos perdidos no vício, no mercúrio e na beleza.
Pelo silêncio me atrevo a dizer,
Do estômago do espaço comum,
que nunca
cristalizei os ódios em suficiência harmonia
e necessidade exigida pela crepuscular júris-
prudência de vossos ofícios.
Não tenho dinheiro para pagar minha honra.
Não posso ser livre segundo as leis que nos integram a uma nação,
pois que divididos em classes e
em fractais do medo,
vossos corações
acentuam o controle que nos acometem as músicas fantasmagóricas.
Vossos corações me prenderiam se pudessem.
Não posso apresentar os documentos necessários.
Não posso provar meu peso, meu olfato,
Os sentimentos oblíquos dos sentidos,
as sensações que indicam dobraduras, mergulhos
e ciências abissais.
Que farei de vossas leis improváveis frente ao
pungente amor que vejo no pólen sobre o mangue?
Que farei da carta em que traço vôos e migrações
sem memória?
Suas ordens me fazem rir e meus companheiros
nenhuma graça acham.
Na travessia me perdi.
Desconheço a biografia e a semântica.
Não acredito nos vertebrados sem um átimo de cobalto, a natureza já se foi
e não há consolo ao narrador.
Não acumulei flancos imóveis ou aparições no calendário.
Apenas sei que meu futuro não é de plástico
e minha morte
não fará lucro à exasperação criteriosa de ódios inacabados
e silenciosamente parciais do capital.

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DANIEL ABRÃO
Professor efetivo dos cursos de letras da UEMS, unidade universitária de Campo Grande. Doutor em Letras pela UNESP.
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