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Espaço literário: Daniel Abrão

Falso perdão 

Por Daniel Abrão*

 

Senhores, 

tanto mundo e eu  

à venda  

pelo preço da fealdade absoluta de vossas fomes, 

segurando minhas mortes através de decretos, 

solicitações  

de falso amor, inescrupuloso afeto 

e pertença  

às lutas da cidade perdida. 

 

Eu  

peço perdão  

pelo desafio deposto 

e embora os atos  

perturbem os olhos de sal contra mim 

 

peço perdão  

 

por ser transparente a qualquer culpa  

peço perdão pelas desculpas e pelo ato 

que me desatou para o néctar de cinemas 

onde vi 

geoarquiteturas calcinadas, pulsar 

de colunas e descompressão.  

 

Alinho-me para dentro  

no centro 

do colo perdido e exaurido da noite contramericana. 

 

Ninguém esteve presente para desferir o golpe 

Quando o tempo se abriu em rizomas 

e à vegetação tropical. 

Não há qualquer testemunha da cena. 

 

Não fui previsto pelos manifestos. 

As informações não foram repassadas. 

Não pude fixar-me aos eixos ascendentes da glória. 

Soube que o mundo não começa com a morte 

 

 ) este segredo de cabelos longos ( 

 

A provisão terrena floresce  

mesmo na ausência da cúpula e da missa. 

 

Pude saber que poucos vermelhos olhos irradiam o íngreme desta manhã. 

 

Senhores, 

Peço perdão pela arte abstrata, 

por Fellini, pela poesia, pela pronúncia rarefeita 

com que absorvi e me integrei aos frutos e 

pela gravidade assimétrica que sustenta sem oxigênio 

os aminoácidos perdidos no vício, no mercúrio e na beleza. 

 

Pelo silêncio me atrevo a dizer, 

Do estômago do espaço comum,  

que nunca  

cristalizei os ódios em suficiência harmonia 

e necessidade exigida pela crepuscular júris- 

prudência de vossos ofícios. 

 

Não tenho dinheiro para pagar minha honra. 

 

Não posso ser livre segundo as leis que nos integram a uma nação, 

pois que divididos em classes e  

em fractais do medo,  

vossos corações 

acentuam o controle que nos acometem as músicas fantasmagóricas.

 

Vossos corações me prenderiam se pudessem. 

 

Não posso apresentar os documentos necessários. 

Não posso provar meu peso, meu olfato, 

Os sentimentos oblíquos dos sentidos,  

as sensações que indicam dobraduras, mergulhos 

e ciências abissais. 

 

Que farei de vossas leis improváveis frente ao 

pungente amor que vejo no pólen sobre o mangue? 

Que farei da carta em que traço vôos e migrações 

sem memória? 

Suas ordens me fazem rir e meus companheiros 

nenhuma graça acham. 

 

Na travessia me perdi. 

 

Desconheço a biografia e a semântica. 

Não acredito nos vertebrados sem um átimo de cobalto, a natureza já se foi  

 

e não há consolo ao narrador. 

 

Não acumulei flancos imóveis ou aparições no calendário. 

Apenas sei que meu futuro não é de plástico 

e minha morte 

não fará lucro à exasperação criteriosa de ódios inacabados 

e silenciosamente parciais do capital.

Diego Rivera, México hoje e amanhã (mural, 1935)
Diego Rivera, México hoje e amanhã (mural, 1935)

_____

DANIEL ABRÃO

Professor efetivo dos cursos de letras da UEMS, unidade universitária de Campo Grande. Doutor em Letras pela UNESP.

 

 
 
 

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